terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Religião nas escolas - uma questão divinamente perturbadora


Dois mais dois são quatro. Correr é verbo. Tubarão é peixe. E Deus criou o Universo.
O ensino no Brasil, como já sabemos, segue um plano bastante peculiar: decore, decore, decore - mas finja que entendeu. Talvez seja culpa do ridículo sistema de Processos Seletivos, que a cada ano selecionam torrentes de cérebros que estão mais cheios de mnemônicos  do que de conhecimento. Mas ainda assim, há uma esperança, afinal de contas, muitos professores se preocupam em colocar na cabeça dos alunos algo que induza ao raciocínio e ao pensamento crítico, ao invés do "coça A coça B". Mas e quando os alunos são obrigados a se confrontar com tópicos puramente ideológicos, dogmáticos, cuja finalidade acadêmica inexiste?

Nas escolas brasileiras - ao menos grande parte delas - uma das disciplinas lecionadas é a de "Religião" ou "Ensino Religioso", cujo objetivo, segundo quem desenvolve o programa, é o de conscientizar as crianças e os jovens a seguir o caminho correto e se tornarem cidadãos de bem. Ora, se religião fosse sinônimo de boa cidadania, não veríamos tantos traficantes com "Só Jesus salva" tatuado nas costas. A religião pode sim levar a pessoa a optar por uma boa conduta - mas desde que o faça por convicção, e não por uma mera convenção tradicionalista.

Não é que eu seja contra a religião, pelo contrário, até tenho minha crença particular. Mas não faz sentido induzir a leitura da bíblia nas escolas, por exemplo, se nenhuma igreja incentiva a leitura de "A Origem das Espécies", ou falar sobre Abraão em uma sala de aula, se nunca verão Galileu ser citado em um culto religioso. A escola é um lugar de aprendizado laico, onde os alunos devem ser levados a entender leis naturais, contextos históricos, regras da escrita, princípios de funcionamento dos organismos biológicos... em suma, tudo aquilo que pode ser provado, e quando não o é, pode ser discutido ou discordado. Ensinar religião nas escolas é ensinar algo que não se pode provar, e ironicamente, é tido como "incontestável".

Vamos analisar: lembro-me de como costumavam ser as questões de uma prova de religião. Algo do tipo: "Quem criou o universo?" Ou "Quem é o salvador da humanidade?
Eu não poderia responder que o criador era Brama, ou Odin, ou dizer que o salvador era Buda ou mesmo Confucio. Era "Deus" e "Jesus Cristo" ou a nota era zero. Percebem o absurdo? Todas essas respostas podem ser consideradas corretas, através de algum ponto de vista, pois são baseadas em crenças espirituais, argumentos de fé, e não definições universais. É como uma professora de português dizer que o coletivo de bananas é "penca", e considerar absurdo se alguém responde "cacho".

Uma coisa, devemos admitir: grande parte das decisões da humanidade foram e ainda são baseadas em fundamentos religiosos. Nesse aspecto, talvez seja sim plausível e até útil ensinar sobre religiões nas escolas, mas de forma hermenêutica, mostrando aos alunos como elas funcionam, e não induzindo-os a seguí-las. É como se fosse uma aula de História, voltada ao estudo de eventos e mitos ligados às crenças religiosas, sem julgar esta ou aquela como correta - e sim discorrendo sobre seus aspectos diversos.

A maioria das pessoas escolhem seus credos por indução familiar. Outras, na juventude, pelo motivo oposto,  escolhem doutrinas contrárias à predominante em seu meio, muitas vezes por pura necessidade de se opor ao convencional. Mas poucas entre essas de fato acreditam naquilo que dizem acreditar. São pessoas que dizem "não tomo café pois minha religião não permite", mesmo quando acham absurdo serem privados de algo sem explicação. É justamente isso que acontece quando se ensina religião nas escolas. As crianças são obrigadas a acreditar em algo simplesmente por que "tem que ser assim", e não por que essa crença seja solidamente comprovada através de procedimentos imparciais. Não existe expansão de idéias, não existe ecumenismo: o professor sempre vai puxar a sardinha para o próprio lado, e forçará os alunos a fecharem os olhos para o que possa ser considerado conflitante.

Sustento minha opinião de que o ensino da religião em escolas só atrasa o processo de desenvolvimento intelectual da criança. As religiões lhe devem ser apresentadas de forma espontânea e sem pressão, seja por familiares, amigos ou até mesmo a mídia. Cabe ao indivíduo decidir qual dos grupos se enquadra em sua filosofia, e não ser obrigado a suprimir sua filosofia para ser inserido em um destes grupos. E se nenhum grupo lhe couber, ou mesmo se julgar irrelevante para si levar adiante qualquer pensamento espiritualista, que assim o faça, tendo o direito de não ser julgado por quem se diz dono da verdade.