quinta-feira, 14 de junho de 2012

Campo Existencial

Como definimos uma existência? Algo que dizemos existir, assim é, por qual motivo? Alguns diriam que pela negação da não-existência. Mas isto implica na necessidade do conhecimento do conceito de existência, logo, caímos num ciclo vicioso. Outros diriam que pela simples constatação através de interação: Se você percebe algo, logo esse algo existe. Mas isso torna a questão relativa demais - por exemplo, cores não existiriam para cegos e sons não existiriam para surdos mas nós sabemos que eles existem (será?). Ainda assim, me parece mais plausível definir dessa forma. O que não percebemos, de fato, não existe para nós, mas pode passar a existir tão logo a interação aconteça. Particularmente, caracterizo a percepção das existências como consequência daquilo que chamo de Campo Existencial.

Sim, é uma analogia a campos físicos. Mas um campo existencial não deve ser visto como um campo físico, embora possa ser composto por um ou vários deles. Na verdade, o campo é toda a forma de se fazer perceber algo: pode ser visão, audição, tato, ou simplesmente o ato se cogitar a hipótese da existência (o objeto cogitado em si não tem sua existência constatada, mas a hipótese em si é um fator que compõe o campo). Como dito, não considere este campo existencial como algo preso ao universo físico. Embora emane do objeto, não considere a origem do campo como um ponto no espaço físico, mas como um ponto em uma "dimensão filosófica" que, para nossa definição, chamaremos de "espaço de percepção."

Essa dimensão filosófica é desprovida de obrigações físicas, mas não necessariamente é alheia ao ambiente físico. O que acontece no espaço filosófico pode influenciar e ser influenciado pelo espaço físico. Faça uma analogia a uma onda no mar: a água que ondula não é a onda física propriamente dita, mas esta perturba a água, ou seja, são coisas diferentes, independentes, mas interagem. Talvez os exemplos a seguir esclareçam essa ideia.

Vamos considerar um objeto simples: uma pedra.
Você caminha pela rua, e de repente, visualiza uma pedra no chão, logo à frente. Nesse instante, a pedra passa a existir para você. Isso porque o campo existencial dela lhe atingiu - neste caso uma componente visual. Mas poderia ter sido diferente: você poderia não ter visto, mas sim tropeçado nela. Ela passaria a existir do mesmo jeito, mas esta constatação se daria por uma componente diferente do campo existencial, uma componente tátil.
Agora considere uma outra situação: por algum motivo (que não nos cabe julgar, afinal a situação é hipotética) você nem sequer chegou perto dessa rua, mas alguém disse a você que tropeçou nesta pedra. E aí, esta pedra passará a existir para você? Bem, isso dependerá de alguns fatores... você acredita no que lhe disseram? Se acredita, a descrição da pedra lhe é suficiente? Isso nos leva a outra reflexão... obviamente, aquele "alguém" que lhe contou sobre a pedra pode ser considerado uma componente do campo... mas será então que todas as componentes oferecem o mesmo resultado?

A resposta para isso, talvez, é que o conceito de existência não é um ponto discreto no espaço existencial, mas uma curva contida nele, com algumas descontinuidades e incertezas; alguns trechos de maior, outros de menor intensidade. Se você vê uma foto de um castelo, pode ou não acreditar na existência dele. Se você vir este mesmo castelo em matérias de jornais, internet, menções em músicas e até mesmo um amigo que disse ter estado em frente a ele (todos estes são componentes do campo existencial) e existência do castelo pode lhe parecer mais possível. Resumindo: as componentes se somam e levam o objeto a um trecho de alta intensidade da curva existencial - o que torna mais provável que este objeto exista para você, mesmo você nunca o tendo visto, ou constatado sua existência por uma propriedade física que tenha interagido diretamente com você.

O que quero dizer com esse blábláblá todo é que, se você acredita que algo existe, ele de fato existe, para você. Mas em certos momentos, determinamos a existência, digamos, "real" (é correto usar este termo?) quando há um consenso geral sobre ela. talvez um trecho de alta intensidade na curva existencial que seja comum a um número tão suficiente de pessoas que possamos postular essa existência - mas isso é assunto para uma outra ocasião...

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Religião nas escolas - uma questão divinamente perturbadora


Dois mais dois são quatro. Correr é verbo. Tubarão é peixe. E Deus criou o Universo.
O ensino no Brasil, como já sabemos, segue um plano bastante peculiar: decore, decore, decore - mas finja que entendeu. Talvez seja culpa do ridículo sistema de Processos Seletivos, que a cada ano selecionam torrentes de cérebros que estão mais cheios de mnemônicos  do que de conhecimento. Mas ainda assim, há uma esperança, afinal de contas, muitos professores se preocupam em colocar na cabeça dos alunos algo que induza ao raciocínio e ao pensamento crítico, ao invés do "coça A coça B". Mas e quando os alunos são obrigados a se confrontar com tópicos puramente ideológicos, dogmáticos, cuja finalidade acadêmica inexiste?

Nas escolas brasileiras - ao menos grande parte delas - uma das disciplinas lecionadas é a de "Religião" ou "Ensino Religioso", cujo objetivo, segundo quem desenvolve o programa, é o de conscientizar as crianças e os jovens a seguir o caminho correto e se tornarem cidadãos de bem. Ora, se religião fosse sinônimo de boa cidadania, não veríamos tantos traficantes com "Só Jesus salva" tatuado nas costas. A religião pode sim levar a pessoa a optar por uma boa conduta - mas desde que o faça por convicção, e não por uma mera convenção tradicionalista.

Não é que eu seja contra a religião, pelo contrário, até tenho minha crença particular. Mas não faz sentido induzir a leitura da bíblia nas escolas, por exemplo, se nenhuma igreja incentiva a leitura de "A Origem das Espécies", ou falar sobre Abraão em uma sala de aula, se nunca verão Galileu ser citado em um culto religioso. A escola é um lugar de aprendizado laico, onde os alunos devem ser levados a entender leis naturais, contextos históricos, regras da escrita, princípios de funcionamento dos organismos biológicos... em suma, tudo aquilo que pode ser provado, e quando não o é, pode ser discutido ou discordado. Ensinar religião nas escolas é ensinar algo que não se pode provar, e ironicamente, é tido como "incontestável".

Vamos analisar: lembro-me de como costumavam ser as questões de uma prova de religião. Algo do tipo: "Quem criou o universo?" Ou "Quem é o salvador da humanidade?
Eu não poderia responder que o criador era Brama, ou Odin, ou dizer que o salvador era Buda ou mesmo Confucio. Era "Deus" e "Jesus Cristo" ou a nota era zero. Percebem o absurdo? Todas essas respostas podem ser consideradas corretas, através de algum ponto de vista, pois são baseadas em crenças espirituais, argumentos de fé, e não definições universais. É como uma professora de português dizer que o coletivo de bananas é "penca", e considerar absurdo se alguém responde "cacho".

Uma coisa, devemos admitir: grande parte das decisões da humanidade foram e ainda são baseadas em fundamentos religiosos. Nesse aspecto, talvez seja sim plausível e até útil ensinar sobre religiões nas escolas, mas de forma hermenêutica, mostrando aos alunos como elas funcionam, e não induzindo-os a seguí-las. É como se fosse uma aula de História, voltada ao estudo de eventos e mitos ligados às crenças religiosas, sem julgar esta ou aquela como correta - e sim discorrendo sobre seus aspectos diversos.

A maioria das pessoas escolhem seus credos por indução familiar. Outras, na juventude, pelo motivo oposto,  escolhem doutrinas contrárias à predominante em seu meio, muitas vezes por pura necessidade de se opor ao convencional. Mas poucas entre essas de fato acreditam naquilo que dizem acreditar. São pessoas que dizem "não tomo café pois minha religião não permite", mesmo quando acham absurdo serem privados de algo sem explicação. É justamente isso que acontece quando se ensina religião nas escolas. As crianças são obrigadas a acreditar em algo simplesmente por que "tem que ser assim", e não por que essa crença seja solidamente comprovada através de procedimentos imparciais. Não existe expansão de idéias, não existe ecumenismo: o professor sempre vai puxar a sardinha para o próprio lado, e forçará os alunos a fecharem os olhos para o que possa ser considerado conflitante.

Sustento minha opinião de que o ensino da religião em escolas só atrasa o processo de desenvolvimento intelectual da criança. As religiões lhe devem ser apresentadas de forma espontânea e sem pressão, seja por familiares, amigos ou até mesmo a mídia. Cabe ao indivíduo decidir qual dos grupos se enquadra em sua filosofia, e não ser obrigado a suprimir sua filosofia para ser inserido em um destes grupos. E se nenhum grupo lhe couber, ou mesmo se julgar irrelevante para si levar adiante qualquer pensamento espiritualista, que assim o faça, tendo o direito de não ser julgado por quem se diz dono da verdade.